Cresceu ouvindo sobre a índia de cabelos negros como a noite que não tem luar; sobre um tal de Chico Mineiro que acabou baleado durante uma Festa do Divino; sobre o sertanejo que, saudoso de seu sertão, deu adeus a uma paulistinha do coração.
“Eu vivi nesse ambiente”, diz Zé Hamilton, que relança a obra “Música Caipira – As 270 Maiores Modas”, publicada em 2006 e, agora, ampliada com capítulos e dois DVDs –um documentário sobre o gênero e um musical.
Bruno Santos/Folhapress | ||
O jornalista José Hamilton Ribeiro, com o livro ‘Música Caipira’ |
A lista das 270 canções, contudo, é apenas complementar ao estudo pormenorizado do gênero que, ao longo da história, foi vítima de hostilidade da população urbana.
“O matuto vinha para a cidade com suas crenças, seus valores, sua cultura e, de repente, sentia falta do chão”, afirma Ribeiro em capítulo dedicado ao preconceito –ato que leva à chacota, muitas vezes fazendo com que o sertanejo renegue suas raízes.
Apesar do preconceito, a história mostra que a origem da música caipira está intimamente ligada à gênese da nossa nação e remonta ao tempo em que portugueses avistaram o que eles chamaram de Terra de Santa Cruz.
Romildo Sant’Anna, estudioso que colabora na obra, diz que a melancolia tão comum na música caipira é “marca do exílio”: seus ancestrais são “o português degredado e saudoso; o indígena humilhado e desterrado; o africano de pele escura, amargurado pela escravidão”.
A MÚSICA CAIPIRA VIVE
É inegável que um gênero com raízes tão profundas na formação do brasileiro esteja eternizado nas vozes de ícones como Tonico e Tinoco e Inezita Barroso. Entretanto, durante a obra e em entrevista à Folha, Zé Hamilton se mostra reticente sobre a longevidade da música caipira.
“Mantê-la pura seria utopia”, diz o jornalista, referindo-se ao êxodo da população em direção à cidade. “Os brasileiros vivem hoje com pouca ligação com o campo.”
Mesmo o cantor sertanejo moderno que bebe na fonte do caipira subverte o que encontra e “cria um derivado”, diz. “São músicos que não têm ligação com o ambiente rural” e, mesmo que tomem a viola e emulem a forma de cantar, “a temática é outra”.
Talvez a música caipira esteja em decadência e novas composições sejam uma raridade, mas isso não elimina o gênero por completo. A viola “está num momento bom”, afirma o jornalista.
O maestro da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, Rui Torneze, concorda: ele conta com 13 solistas –o mais velho tem 27 anos; o mais novo, 10. “Tem uma juventude comendo viola pelas bordas.”
DESTAQUES DA OBRA
Algumas curiosidades sobre música caipira
Primeiro disco
Cornélio Pires é um herói no universo da música caipira. Em 1929, o comerciante e agitador cultural paulistano bancou o lançamento de “Jorginho do Sertão”, considerado o primeiro disco do gênero –um 78 rotações que não era vendido, mas dado a quem comprasse de Pires uma vitrola de manivela
Música Caipira |
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Pluralidade de ritmos
Música caipira não tem apenas um tipo de levada. A fonoaudiólogia e violeira Simone Sperança encontrou 22 “espécies” dentro do “gênero” caipira: arrasta-pé, cana verde, cateretê, toada, canção rancheira, valseado…
Clássico quase perdido
O compositor Renato Teixeira ficou três anos com sua criação debaixo do braço. Ninguém queria gravar. “Até que a Baixinha, que não tinha medo de cara feia, foi, gravou, fez aquele sucesso e ajudou a quebrar um pouco o preconceito.” A Baixinha era Elis Regina; a canção, “Romaria”, gravada por ela em 1977: “Sou caipira Pirapora/Nossa Senhora de Aparecida…”
MÚSICA CAIPIRA – AS 270 MAIORES MODAS
AUTOR José Hamilton Ribeiro
EDITORA Realejo
QUANTO R$ 74,90
LANÇAMENTO qua. (25), às 19h, no Bar Brahma (av. São João, 677, tel. 11-3224-1251)
AVALIAÇÃO muito bom